Eanes e a Crise Política Actual
Nesta última semana, em que todos os presidentes
falaram à Nação, Eanes também foi convidado pela televisão do Estado a
expressar o seu ponto de vista sobre a crise política actual.
Eanes tem sobre a crise uma atitude moral, e todos nós sabemos bem como o reformoralismo é uma política cheia de alçapões perigosos.
Como
homem sério e patriota que indiscutivelmente é, Eanes começou por fazer
umas quantas declarações pungentes sobre o futuro do País, ou como ele
prefere agora dizer, depois de deixar crescer a barba de um bom pai de
família, sobre o futuro dos seus filhos e dos seus netos: o futuro é
negro, e Eanes não augura nada de bom aos Portugueses.
O desespero deste Homem chega a ser comovente, mas a verdade é que não tem razão de ser.
Eanes
soçobra perante aquilo que para ele é o dever moral de pagar
escrupulosamente a dívida pública nacional aos credores, ou seja,
soçobra sobre si próprio ou sobre aquilo que é o seu próprio carácter.
Nem
uma só vez Eanes se interroga, como lhe cumpria, sobre os reais motivos
que levaram à constituição desta dívida monumental, dívida que Eanes
tem obrigação de saber que, com alguma responsabilidade sua, resultou,
por um lado, da liquidação da economia portuguesa pelos governos de
Soares e de Cavaco, que ruinosamente negociaram a adesão de Portugal à
Europa (ou seja, que organizaram o rapto de Portugal pela União
Europeia), e, por outro lado, da liquidação das finanças e da
independência de Portugal pelo governo de Guterres, quando abriu as
portas do País à invasão e domínio do marco travestido de Euro, mediante
a assinatura do Tratado de Maastricht, tudo manobras reaccionárias e
anti-democráticas que o povo português nunca foi chamado a discutir e a
referendar.
Ora,
Eanes, que é um homem sério, deve uma explicação ao povo português, a
saber: porque é que nunca ergueu a sua voz em defesa do referendo
popular dos instrumentos diplomáticos pelos quais perdemos a nossa
independência e estamos hoje crivados de dívidas impagáveis.
Se
é em nome de uma moral, mais ou menos kantiana e ultrapassada, que
Eanes entende que a dívida externa terá de ser paga, então, em nome
dessa mesma moral própria, Eanes deve aquela explicação ao povo
português e deve dar-lha, sem demoras.
Mas
Eanes sabe também que mais de metade da actual dívida pública
portuguesa – 120 000 milhões em 228 000 milhões de euros – resulta
unicamente de juros especulativos e de juros sobre juros, cobrados pelos
mercados, ou seja, no caso, cobrados sobretudo pela banca germânica.
Em
nome de que moral é que um homem sério, para já não lembrar que aquilo
de que se trata não é de um homem mas de um país sequestrado e roubado,
tem o dever de pagar juros especulativos criminosos a credores que não
passam de gangsteres e de ladrões?!
Em nome de que moral achará Eanes que devemos matar o nosso povo à fome, para honrarmos
dívidas que resultam fundamentalmente do latrocínio de bancos
estrangeiros? Que dirão no futuro os filhos e os netos de Eanes sobre a
atitude do seu Patriarca em relação ao pagamento integral de uma dívida
pública quase integralmente indevida?!
Acontece
todavia que, agora já não em nome de uma moral insustentável, mas de
uma política absolutamente errónea, Eanes entende que o governo PSD/CDS
não deve demitir-se nem ser demitido, ou que, pelo menos, eleições agora
seriam de todo em todo inaceitáveis e perigosas.
Aqui,
somos nós que não vemos o que é que terá feito Eanes da sua costela
democrática, pois não será preciso mandá-lo reler Tocqueville para que
se lembre que as eleições são, segundo os melhores teóricos da
democracia burguesa, o meio adequado à ultrapassagem democrática das
crises.
Se
as eleições antecipadas, na sequência da demissão do actual governo
PSD/CDS, não são recomendáveis, então o que é que Eanes recomenda,
quando há cada vez mais gente a morrer de fome em Portugal?!
Decerto que não irá recomendar a continuação do governo que já liquidou o futuro dos seus filhos e dos seus netos!...
Mas
se não recomenda nem a continuação do governo nem eleições antecipadas,
o que é que efectivamente recomenda, sabendo nós, de ciência certa, que
não recomendará nunca nem o 18 de Brumário nem o 28 de Maio.
A
solução dos problemas postos pela actual crise política está, como
decerto já ocorreu a Eanes, na formação de uma ampla frente democrática e
patriótica, suporte de um governo capaz de, no mínimo, suspender o
pagamento da dívida, mesmo que para tanto tenha de abandonar o Euro e
refundar o Escudo, iniciando uma etapa nova no desenvolvimento da
economia nacional, contando com as nossas próprias forças, os nossos
próprios meios e a amizade dos povos do mundo.
É
muito triste que Eanes já não tenha capacidade para encontrar soluções e
se deixe sair da História pela porta das contradições políticas
pessoais e insolúveis.
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