Texto publicadona edição de hoje do jornal "Barlavento"
Ria Formosa: a procissão dos passos saíu atrasada
No velho espectáculo em que os partidos sentados nos órgãos de poder só
agem depois dos gritos das populações, assistimos nos últimos dias ao
multiplicar das declarações que assentam afinal, do lado do poder na
intransigência de interesses escondidos e, a oposição, na premissa de que as
Leis e os planos são omissos, alteráveis e não contemplam na sua plenitude o
lado social. Se há aqui atraso da dita oposição, também há hipocrisia,
porquanto as demolições já abateram interesses das famílias.
Até à primeira pedra derrubada e à primeira lança numa família desalojada e
sem alternativas, a inteligência superior não tinha mexido um dedo e agora já
temos debates, comissões de inquérito e propostas de alteração dos ditos
planos, para diluir o conjunto das responsabilidades e no triste espectáculo de
acusações de quem tem mais culpa. Do parlamento à composição dos executivos e
assembleias municipais de Faro e Olhão, estão lá todos os partidos representados
e a sensibilidade sobre o que vinha sendo preparado e, sobretudo conhecido,
ficou calada até ver. As pessoas que se revoltaram é que os fizeram mexer. Se
até aqui não houve e agora pedem diálogo com as associações das ilhas, é porque
o autoritarismo governamental sentia que tinha pernas e silêncios para andar...
Nunca é demais dizê-lo, nenhuma Lei pode sancionar o atropelo de gentes que
têm quase dois séculos de gerações sobre as ilhas, ainda que outros chegassem
por lazer e conivência das autoridades que não negaram as cobranças sobre o que
agora chamam de ilegal. A criação das áreas desafectadas não foi para legitimar
ou proteger as pessoas genuínas na sua ligação às artes da pesca mas, para
satisfazer os interesses de lazer e do poder do dinheiro que ia a banhos. Os
poderes foram fechando os olhos e arrecadando mais-valias e com a recente elevação
da zona lagunar a maravilha do país, abriram-se apetências que o Governo não
quer confessar. O domínio marítimo está coberto na Lei escrita com dois pesos e
duas medidas. A renaturalização numas partes subiu a argumento da perseguição
aos mais fracos e as zonas problemáticas não tiram o sono ao Governo, aos
deputados regionais e às Câmaras.
Contra esta ofensiva governamental através da mão do Programa Polis, onde
os executivos camarários têm assento e dinheiro, as populações dirigidas pelas
suas associações contrapuseram a negligência criminosa de fechar os olhos aos
graves problemas de poluição e de assoreamento das barras e áreas navegáveis,
com registos de mortes de pescadores. Os ilhéus não engoliram a falsidade de
quem age sobre pessoas indefesas, roubando-lhes os tectos sem alternativas,
quando as principais tarefas de dragagens e despoluição têm apenas calendário
eleitoral. Polis, Câmaras e ministro do Ambiente nunca dialogaram com os ilhéus
mas, muito têm feito para virar cidadãos contra cidadãos, na ilusão de que
conseguem isolar a coragem de quem pisa e labuta diáriamente sobre aquelas
areias e lamas.
Se esta ofensiva antidemocrática afecta as populações autóctones das ilhas
barreira e as das cidades de Faro e Olhão, que estão atentas e mobilizáveis,
nenhum Governo tem o direito de se impor pela força. A expulsão do parlamento
das centenas de ilhéus que foram assistir a uma votação sobre as demolições, marcou
o fosso com os objectivos do Governo, havendo fortes possibilidades da injustiça
vir a ser coberta pelo autoritarismo e a violência...
Luís Alexandre
Cidadão
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